Tudo o que você precisa saber sobre o pós-operatório da cirurgia no ombro.

Tipóia cirurgia do ombro

29 de setembro de 2021

O ortopedista Fernando Cinagava teve que se submeter ao procedimento. Na entrevista ele conta da própria experiência e responde às perguntas mais frequentes sobre o pós-operatório da cirurgia do ombro.

Cirurgia no ombro

O pós-operatório da cirurgia do ombro muda a rotina do paciente por vários meses.

Exige planejamento e disciplina para administrar a dor, a limitação de movimentos, o afastamento do trabalho, os cuidados e exercícios necessários no período de recuperação.
Hoje a maior parte das cirurgias no manguito rotador, o conjunto de músculos e tendões do ombro, é realizada por meio de uma técnica menos invasiva, a vídeoartroscopia.

São raras as exceções.

Em relação à cirurgia aberta, a reabilitação da vídeoartroscopia do ombro é muito mais rápida e menos dolorosa. Mesmo assim, impacta bastante a vida do paciente.
O ortopedista Fernando Cinagava pode falar com propriedade sobre o assunto.

Além de especialista experiente, com mais de 1800 cirurgias de ombro e cotovelo realizadas em 15 anos de carreira , ele próprio teve que se submeter à cirurgia do ombro depois de uma lesão jogando tênis.

Entrevista: Fernando Cinagava, ortopedista especialista em ombro e cotovelo.

O médico virou paciente.

O que o senhor aprendeu ao se submeter à cirurgia do ombro e gostaria de compartilhar com os pacientes?

Dr. Fernando Cinagava - Por mais que a gente se esforce para entender a dor do paciente, nós não conseguimos imaginar o que é se nunca passamos pelo mesmo problema.

Agora eu senti na pele tudo o que os pacientes relatam.
Como médico sei que toda cirurgia tem os riscos da anestesia, de infecção, de trombose e até a chance de fracassar, não dar bom resultado.

A chance de complicações é bem baixa, em torno de 1 a 2% dos casos, mas existe e causa preocupação.
Por isso o que eu acho mais importante aconselhar é: procure ajuda médica logo que começar a sentir dor.

Não fique adiando. Quanto mais cedo você tratar, melhor, mais fácil e mais rápido virá o resultado do tratamento.

E pode até evitar a cirurgia.

Como ocorreu o seu caso?
Dr. Fernando Cinagava - Eu tive uma lesão que ocorreu devido à prática de esporte.

Gosto de jogar tênis e acabei me excedendo.

Comecei a sentir uma dorzinha no ombro, não tratei e achei que tinha sarado.

Porém, em um dia de frio, fui pegar peso e senti uma dor intensa.

Passei por exames e descobri que havia uma lesão e não era recente, provavelmente havia ocorrido já há alguns anos.

O problema antigo se agravou com o esforço físico que fiz

Conte um pouco sobre a recuperação.

Dr. Fernando Cinagava - Passei pela cirurgia em julho, ou seja, há um mês e meio, e estou praticamente sem dor, consigo fazer quase todos os movimentos.

O que ainda não posso fazer é esforço, carregar peso.
Nos primeiros dias tive muita dor.

Quando a gente acorda da cirurgia, o braço está anestesiado, com bloqueio do plexo braquial.

Não sentimos nada desde o ombro até a mão.

Essa anestesia dura em torno de 18 horas e é bem importante porque as primeiras horas após cirurgia são muito doloridas.
Quando a anestesia passa, a dor já é menor, mas ainda muito intensa.

Na primeira noite eu acabei dormindo sentado no sofá, tomando analgésicos e fazendo compressa com gelo.

No dia seguinte, acordei um pouco melhor.
Durante o dia você fica desperto, menos focado na dor, o braço imobilizado a tipoia, sem mexer.

À noite é que incomoda mais, queremos relaxar, mas a percepção da dor aumenta.
A posição deitada é a pior, a gente não consegue acomodar o ombro sem evitar mais dor.

O jeito é ficar reclinado no momento de repouso, dormir numa poltrona do papai, no sofá ou colocar bastante travesseiros apoiando as costas na cama.

Dormir deitado mesmo, só depois do terceiro ou quarto dia de cirurgia.

A cirurgia para reparar o manguito rotador altera a configuração natural do ombro?
Dr. Fernando Cinagava – Na cirurgia do manguito rotador do ombro, fazemos o reparo das fibras rompidas, reavivando as bordas do tendão. Ou seja, ressecamos as partes degeneradas para deixar só o tecido saudável e, então, suturamos.
O objetivo é restaurar a anatomia do ombro, deixar como era antes da lesão.
Mas, como disse uma paciente minha, fazemos um remendo novo no pano velho.

Por melhor que seja o remendo, o tecido já está desgastado e mais frágil.
Após a cirurgia será possível fazer as atividades do dia a dia, incluindo prática de esportes.

Porém, é preciso evitar exageros. Grandes esforços físicos, movimentos repetitivos ou muito intensos causam sobrecarga e risco de nova lesão.

Qual é o tempo esperado para completar o processo de cicatrização e ter vida normal?
Dr. Fernando Cinagava - São necessários três meses para a cicatrização e mais três para o fortalecimento na fisioterapia.

Portanto, seis meses para a recuperação total.

Claro que esse tempo varia um pouco de acordo com a gravidade da lesão, se é antiga ou recente e o estado de geral de saúde do paciente.

Por que demora a recuperação da cirurgia do ombro?

Dr. Fernando Cinagava - É um processo lento porque o tendão é uma estrutura resistente que recebe pouco fluxo de sangue comparado a outros tecidos que são bem vascularizados.

A pele, por exemplo, demora até sete dias para cicatrizar, o músculo leva entre três e quatro semanas. No caso do tendão é mais difícil.

Quais são as fases principais da recuperação?
Dr. Fernando Cinagava - Dividimos o período de recuperação em três etapas.

No primeiro mês o tendão ainda não cicatrizou e é obrigatório muito repouso e uso permanente da tipoia.

Só é permitido fazer movimentos orientados pelo médico e fisioterapeuta.
Do segundo ao terceiro mês o tendão já está em processo de cicatrização e dá pra tirar o braço da tipoia, fazer movimentos leves, sem pegar peso.
Do quarto ao sexto mês temos 12 semanas dedicadas ao trabalho de fortalecimento na reabilitação fisioterápica.

Como lidar com as dores do pós-operatório?
Dr. Fernando Cinagava - A dor pós-operatória da cirurgia do ombro é mais forte nos três primeiros dias.

Para enfrentar esta fase usamos medicamentos anti-inflamatórios e analgésicos mais fortes, da classe dos opioides, derivados da morfina.

São drogas que não tiram completamente a dor, mas aliviam bastante.
Outra tática muito importante é fazer compressa com bolsa de gelo. Isso ajuda a desinchar a área da cirurgia e reduzir a dor.

A recomendação é fazer a compressa durante vinte minutos, três vezes ao dia, ao longo de dois meses.
Nos primeiros dias, de dor mais intensa, é melhor aplicar compressa com gelo de hora em hora.

O efeito é muito eficaz. Na hora de dormir, o cuidado é acomodar bem o braço com travesseiros e fazer compressa com bastante gelo.
É preciso ter paciência, lembrar que a fase mais dolorida demora um pouquinho, mas passa.

Como se adaptar ao uso da tipoia?
Dr. Fernando Cinagava - O uso da tipoia é recomendado durante o primeiro mês, quando a movimentação fica bem restrita.

Pode-se ler um livro, mexer um pouco no celular, mas nada que exija esforço.

O braço precisa ficar imobilizado, em repouso, para facilitar a cicatrização do tendão.
Para ajudar na circulação do sangue, três ou quatro vezes ao dia é recomendado soltar a tipoia, deixar o braço esticado, mexer as mãos, fazer movimento de flexão e extensão do cotovelo.

Tem paciente que fica com a mão bastante inchada por não cumprir essa rotina de movimentar um pouquinho o braço.
Movimentos lentos, sem provocar dor, e sem levantar o braço para não forçar os pontos de sutura, são benéficos e necessários.

Como dormir com a tipoia?
Dr. Fernando Cinagava - O pior momento para ficar com a tipoia é durante a noite.

O melhor é a acolchoar bem o local onde vamos repousar o braço e dormir reclinado, com as costas bem apoiadas em travesseiros.

Como tomar banho após a cirurgia?

Dr. Fernando Cinagava - O primeiro banho está liberado 24 horas depois da cirurgia.

Ao entrar no chuveiro, o cuidado é retirar o curativo cirúrgico e lavar as feridas com água e sabonete comum, sem usar bucha, só a mão.
Na hora de secar é importante pegar uma toalha limpa, ainda sem uso.

A maioria de nós tem o costume de usar a mesma toalha mais de uma vez, mas toalha que fica no banheiro secando de um dia para o outro pode ter bactérias.
Após o banho basta vestir uma roupa limpa e confortável como proteção, não precisa fazer outro curativo.
Lembrando que o paciente vai precisar de ajuda para tomar banho porque o braço operado não pode ser usado para esfregar o corpo.

Se não tiver ninguém disponível ou preferir tomar banho sozinho, o jeito é se lavar com uma escova de banho de cabo longo.

Quais são os sinais de que há algo errado na recuperação e é preciso avisar o médico?
Dr. Fernando Cinagava - Temos que ficar atentos aos sinais de infecção.

Apesar de ser uma cirurgia com incisões muito pequenas, menos invasiva, pode acontecer.
Se você estava indo bem, mas lá pelo quarto ou quinto dia a dor começa a piorar, é o corpo dando um alerta.
Apresentar alguma secreção nas feridas cirúrgicas, mesmo que seja aquosa e não pus, pode indicar infecção se formando.
Outros sintomas são vermelhidão ao redor da ferida e febre.

Se qualquer um desses sinais se manifesta, o médico precisa examinar o paciente.
A maior parte dos casos de infecção é resolvida com a administração de antibiótico por via oral.

Apenas em situações mais graves, e muito raras, é necessário fazer outra cirurgia para limpeza da articulação.
Os traumas também devem ser informados ao médico.

Se a pessoa bate o ombro sem querer nesse período de recuperação, leva uma pancada mais forte, o resultado da cirurgia pode ficar comprometido.

Qual a importância da fisioterapia na recuperação?

Dr. Fernando Cinagava - A fisioterapia é indispensável, a gente separa em três fases o tratamento fisioterápico.

Cada uma delas tem objetivos bem definidos.
A primeira fase é para provocar um efeito analgésico e anti-inflamatório.

A cirurgia agride bastante a região e precisamos reduzir o inchaço.
A segunda fase é para recuperar mobilidade, soltar a articulação.
Na terceira fase, trabalhamos o fortalecimento do ombro.
No total é preciso fazer no mínimo seis meses de fisioterapia.

Para se recuperar totalmente, em alguns casos, pode levar até mais.

O que mais ajuda na recuperação da cirurgia do ombro?
Dr. Fernando Cinagava - O que mais ajuda na reabilitação do ombro é seguir a recomendação do seu médico.

O resultado da cirurgia depende muito de o paciente fazer o que tem que ser feito, no tempo certo.

Qual o comportamento que é comum nos pacientes e pode comprometer o resultado da cirurgia?
Existem duas situações que podem prejudicar.
A primeira é quando o paciente não consegue ficar parado, não usa a tipoia conforme as recomendações, faz movimentos ou força com o braço precocemente.

Desta maneira pode acontecer da sutura no tendão lacear e os pontos se soltarem.

Ou seja, a pessoa perde o resultado da cirurgia.

Já vi acontecer muitas vezes.
A segunda está relacionada ao comportamento oposto.

A pessoa fica com muito medo de mexer o braço.

Não faz os exercícios em casa, não deixa o fisioterapeuta mexer direito no braço. Fica travada.

O risco, neste caso, é a artrofibrose, uma condição em que o tendão cicatriza, mas tudo que está em volta fica meio grudado.

O excesso de tecido cicatricial deixa o ombro rígido.

A pessoa sente dor e os movimentos ficam limitados.

Quando o paciente fica liberado pra dirigir depois da cirurgia do ombro?
Dr. Fernando Cinagava - Normalmente a pessoa pode voltar a dirigir carros automáticos em quatro semanas, carro com câmbio manual só depois de 6 semanas.

Se o veículo não tiver direção hidráulica é melhor esperar mais.

Mas depende muito de cada paciente, avaliamos caso a caso, conforme a extensão da lesão que foi tratada.

Por quanto tempo é preciso ficar afastado do trabalho?
Dr. Fernando Cinagava - Se for um trabalho que não envolve esforço físico, o afastamento varia entre duas e três semanas.

Quem trabalha se movimentando bastante, mas não pega peso, pode voltar em dois meses.

Já se a atividade profissional obriga a pessoa a fazer muito esforço, carregar coisas pesadas, é preciso aguardar até ao final dos seis meses de reabilitação.

Depois do período de reabilitação ainda há restrições para praticar esportes e fazer tarefas cotidianas?
Dr. Fernando Cinagava - Se o esporte exige muito esforço é necessário que o retorno seja gradativo.

No caso de práticas mais pesadas como crossfit, jiu-jitsu ou judô, por exemplo, a pessoa não vai voltar a treinar no mesmo ritmo que estava antes da lesão.
Alguns estudos indicam que o ombro recupera toda a força muscular só depois de 18 meses da cirurgia.
Nas tarefas de casa também tem que ir com calma, evitar fazer tudo no mesmo dia.
É importante dizer que a maioria dos pacientes consegue retornar às atividades normalmente.

Mas só sabemos realmente se haverá alguma restrição mais severa quando termina a reabilitação fisioterápica.

Em caso de nova lesão e uma segunda cirurgia é possível recuperar o ombro?

Dr. Fernando Cinagava - É sempre mais complicado.

O tendão que já teve uma ruptura e foi suturado, não responde muito bem a uma nova cirurgia e à fisioterapia.
A recuperação é muito mais lenta.

O braço tem que ficar mais tempo na tipoia e demora mais pra começar a fisioterapia.

A cicatrização se torna difícil.
Neste caso, médico e paciente analisam os prós e contras de uma nova cirurgia.

O estado geral de saúde influencia fortemente na decisão.
Se você faz uma cirurgia em uma pessoa com mais de 70 anos e o tendão rompe novamente, é muito provável que o resultado será o mesmo depois de uma segunda cirurgia.

O transtorno pode ser muito grande comparado ao benefício.

Como prevenir uma nova lesão?
Dr. Fernando Cinagava - Devemos fazer um trabalho constante de preservação do ombro.

Eu tenho um vídeo no canal do YouTube explicando como fazer exercícios para fortalecer o manguito rotador usando elástico.

São exercícios recomendados para todo mundo que tem tendinite, bursite e para quem já operou o ombro.
Outra dica é se dedicar a uma atividade física que trabalhe o ombro de forma mais completa.

Musculação, pilates, natação, hidroginástica e ginástica funcional são boas opções para fortalecer o ombro por inteiro.

Não só o manguito rotador, mas também os outros músculos acessórios que ajudam a sustentar a região articular do ombro.
É uma rotina importante para ter boa sustentação e viver bem.
Dr. Fernando Cinagava é médico ortopedista formado pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), com especialização em cirurgia do ombro e cotovelo pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas).

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